segunda-feira, 20 de abril de 2015

Crônica Escondida



Enquanto eu estava distraída dançando os dedos dos pés sobre a grama que pinicava, alguns jovens da minha idade quebraram meu sossego apenas para chocarem suas mãos inquietas contra o bebedouro frágil, e gritarem “1,2,3 salvo!”

Eu apenas trocava olhares com o pessoal, pensando que, noite pós noite, ao céu negro salpicado de estrelas da Bahia, estes mesmos jovens brincam de esconde-esconde neste mesmo condomínio, e fazia uma semana que eu apenas os observava.

-Por que você não joga? - Disse um menino sardento de cabelos vermelhos, que puxava meu olhar como imã.

-Ah, sei lá... - Acho que gaguejei por causa do nervosismo.

Ele e mais um menino e uma menina me olharam com olhos grandes e iluminados, abaixaram a sobrancelhas e de leve, viraram um pouco suas cabeças para o lado, como cachorrinhos famintos, eu logo percebi a futura discussão, não demorou muito para eu adiar meu pedido por silêncio.

-Mas, experimenta, você pode gostar.
Eu neguei, e neguei de novo. Os olhares tornaram-se duvidosos, como se eu fosse medrosa e pouco corajosa. Por minutos um silêncio perceptível reinou no lugar, mas os olhares continuavam atentos e nítidos, e mantinham o foco em mim.
Então, um menino pequeno, rechonchudo e bochechudo rolou os olhos, deixando claro a pura rejeição. No mesmo momento a inocência morreu em meus braços junto com a timidez, e coloquei-me contra mim:
-Tá - Apliquei um tom maduro na minha voz - Eu jogo.
Automaticamente minha prima me puxou para seu lado, e sussurrou no meu ouvindo:
-Me segue. - Sua voz tinha uma pitada de amargura, seus olhos encheram-se de escuridão, e espontaneamente o esboço de um sorriso surgiu em seu rosto, eu estremeci.
Foi quando ouvi:
-1, 2, 3... - Olhei para o lado e percebi que um garoto baixo de cabelos negros estava de olhos fechados com suas mãos encostadas no bebedouro, ele já estava contando.
Meu subconsciente enlouqueceu, minha mente explodiu e meu braço foi puxado por minha prima. Eu corri em direção ao bosque que me assombrava, seguindo aquela que eu deveria seguir.
Eu me senti sumindo por entre as arvores e tropeçando por entre suas sombras.
Senti eu ser o foco dos olhos de crianças escondidas em cima das arvores, meu olhar seguindo as sombras das flores no chão, meu corpo me mandando correr como se a ocasião fosse caso de vida ou morte enquanto o vento chicoteava meu cabelo.
Mais pra frente, reinava sobre as últimas arvores, uma luz que zunia, não vi a hora de chegar alí. Mas, para minha tristeza, simplesmente ignoramos a claridade e voltamos a escuridão. Atrávessamos uma pequena horta, eu, na ponta do pé desviando das delicadas plantas que se organizavam na terra, enquanto minha prima passava por cima de todas elas, esmagando-as.
Percebi que demos a volta no parque, e era uma boa tática.
Estávamos agachadas do outro lado do bebedouro, como espiãs esperando o momento certo. Minha prima mordiscou a almofada do polegar, pensativa, e sussurrou:
-Agora, quando chegarmos alí - ela apontou diretamente para alguns arbustos agrupados perto de um poste armador - você corre muito, caso de vida ou morte - como se já não fosse - e se salva batendo no bebedouro o mais rápido possível.
Captei suas palavras em mente, e, comecei a avaliar o lugar: o bebedouro estava só e ao seu redor havia apenas galhos e folhas, o pegador estava entrando carinhosamente e atentamente no pequeno bosque. "Espere mais um pouco" pensei comigo mesma "mais um pouco e..." Corri ferozmente em direção ao bebedouro, sem pensar ou imaginar olhar para trás.
Então, entre a luz nítida e transparente do luar e galhos batendo na minha cara e provocando minha pele, estava diante do bebedouro.
Minha mão se chocou contra o mesmo enquanto gritava:
-1,2,3 salva!
Minha respiração estava agitada e ofegante. Vi a decepção no olhar do menino de cabelos negros e joelhos ralado por não ter pego a gente. Abri um sorriso inovador e desafiador.
Sim, talvez eu não goste desse jogo, mas esse dia foi, pra mim, um dia em que lenvantei o olhar e observei as coisas de outro ângulo e como qualquer outro ser humano normal, inovar sempre é bom, mas voltar a rotina sempre tem seu prazer natural. Com os pés descalços, andei, supervisionando minha respiração, até o segundo balanço ao lado do escorregador de madeira, admirei as estrelas e observei crianças brincando de esconde-esconde.



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